segunda-feira, 29 de abril de 2013

É PRECISO NÃO ESQUECER



Joel tem a guerra guardada dentro da voz. Entre a emoção e o sorriso fala da Guiné, do serviço militar [ que era obrigatório], do espírito de aventura que levou no barco.

- O Ultramar era uma forma de sair da ilha. Por isso, os madeirenses viam isto de uma maneira diferente.

E o isto era a guerra. Apesar do fantasma da morte. Apesar.

Numa rajada de palavras, falou-nos do silêncio que se seguia ao medo:

- Durante o fogo não há tempo: eles mandam, a gente manda..... mas depois.... depois, não se pensa em nada. Olhamos uns para os outros e esvaziamo-nos. É como uma bola cheia de ar....

E fala de outras coisas: da juventude que amadureceu de repente; no outro eu que regressou, na aflição persistente mesmo em tempo de paz : da angústia no meio da multidão; na necessidade de se proteger continuamente:

- quem vai à guerra, fica de guarda. Para sempre.

Trouxe-nos documentos – memórias de papel: aerogramas que recebeu de outros rapazes [- os da minha mulher, não. Não tenho esse direito. ],trouxe-nos o Diário do seu batalhão [está aqui a nossa vida toda], trouxe-nos um dossiê de imprensa que construiu ao longo do tempo.

- É preciso não esquecer. – diz ele – É preciso não esquecer.
 
 
We must not forget

Joel has locked war inside his voice. Through emotion and a disguised smile he told us about Guiné and about military service [compulsory] and about adventure, the reason why some many young boys boarded on the vessels.
-         Going to Overseas was the easiest way to get out of the island. This is why Madeirans saw it differently.
And this was war meant. Even though the shadow of death was always there.
Throwing words rapidly as if shooting a gun, he spoke about the silence that followed fear:
-         During shooting there is no time: they fire, we fire… and then… then…. We think about nothing. We look at each other and we empty ourselves. It is like an air bubble… full of nothing….
And the remembered other things: of growing up too fast, of the other self he has brought back with him, of the constant anxiety, of the fear of crowds and of the need of being in permanent alert:
-         Those who have gone to war, are always on guard. Forever!
He has shared some documents with us – memories kept in papers: letters he has received from friends [not his wife’s, he couldn’t share those] the journal of the battalion [ where our lives was written] and a press journal he has gathered along these years.
 
-         We have to remember- he adds. It is important not to forget.
 
 

quinta-feira, 25 de abril de 2013

Sobre retratos, memórias e esperanças


(...)
 
- Da última vez que o fui ver, ele entregou-me esta fotografia

 Era um retrato velho, a preto e branco, amarelado de tempo e carteira: um grupo de miúdos, com esperança e risos no olhar, esboçava a vitória com os dedos, ao lado de um soldado, de arma em punho (o Zé sabia o tipo de espingarda ou metralhadora que era). Também o soldado olhava para a objectiva com a felicidade tatuada no sorriso. Era uma fotografia tirada pelo Zé, no Largo do Carmo, com uma máquina velha que ainda funcionava, na manhã do dia 25 de Abril. 
A fotografia passou pelas mãos de todos. E todos sabiam exactamente o significado que ela tinha para o amigo. Há gente que guarda na carteira o retrato da mãe, do pai, da mulher ou da amante. O Zé guardava esta fotografia e olhava para ela, vezes sem conta, sempre que precisava matar saudades do tempo em que havia esperança.

(de um texto por publicar)

quarta-feira, 24 de abril de 2013

mais uma história do calhau ... o Anão...


Chama-se Duílio, por causa de um vapor. Os mais velhos ainda o conhecem como o Anão, um dos miúdos da mergulhança que povoavam o calhau. É um homem pequeno que ainda (ou já- porque tem 87 anos) ginga os passos ao ritmo do cigarro que leva à boca.
 
 
 
 

Ri muito, o Anão. Conta que a vida não era fácil, que mergulhava da amurada dos vapores atrás da moeda que os “ingleses” atiravam.

Jogou no marítimo. O Sr. Alexandre andava atrás de nós quando faltávamos aos treinos. Levávamos sopa de canelo.

- Sabe o que é sopa de canelo?


Conta do Alemão.

- maldito que até meteu o pai na prisão. Conta que era um Cabo do Mar terrível e que o prendeu em S. Lazáro porque não tinha licença para mergulhar.

 

Quando foi para a tropa, só queria duas balas – uma delas era para esse Cabo do Mar que nunca perdoou.

Um dia, resolveu ir. Venezuela. Um vapor daqueles que conhecia tão bem. Clandestino.

- Entrei para mergulhar. Enfiei-me na casa de banho e deixei-me ficar. Depois, depois foi fácil. Era questão de não dar nas vistas e de se misturar com os outros.



Another tale from the seashore..
 
His name is Duílio. He was named after a vessel. He is still known as the Dwarf – one of the diving boys that used to live at the seashore in Santa Maria. He is a small man of 87 years old that swings while walking following the rhythm with which he takes his cigarette to his mouth.
He laughs a lot. And with a smile in his face he told us how life was hard when he used to climb up on board and jumped into the water to catch a penny that the passengers threw down to the sea.
He used to play football at Maritimo Football Team. Mister Alexandre was always watching us and if we ever missed a training session he would beat us up.
-          Do you know what is to be banged around?
He also told us about a man whose nickname was the German.
-          Dammed him!!! He even put his father in prison, in São Lazáro, because he did not have a license. He was such a mean man!!
 
When he joined the army he asked for two bullets – and one of them was to shoot the German.
One day, he decided to leave Madeira. He went on board one of the vessels and stayed there. He travelled under covered.
-          I went on board as usual as if I was going to dive. I hid in the bathroom and stayed there for some time. Then, then, it was easy. I just mingled with the other passengers and pretended to be one of them.
 
( … to be continued…)






 

sexta-feira, 19 de abril de 2013

O MUNDO À JANELA


- Nasci nesta casa.

De volta à Rua de Santa Maria, L. percorre a calçada, a lembrar a infância, as pessoas, os cheiros...

Vai devagar, como quem recolhe o passado e o guarda na memória. Parou nesta janela. Conta que a mãe já não era nova quando ela nasceu e que, para não ficar sozinha em casa, veio dar à luz para casa da comadre.

- esta era a casa da minha madrinha.

Fala ao ritmo da recordação. Tem os olhos parados num tempo em que a vida se fazia na rua e  as janelas emolduravam as mulheres.

- O meu padrinho tinha uma telefonia. No tempo da guerra, abriam esta janela e ouvíamos as notícias. Era o Fernando Pessa.  Ficávamos ali à volta. em silêncio. O mundo estava ali. Daquela janela (ou)via-se o mundo.


 THE WORLD AT THE WINDOW


- I was born in this house.

Back at Rua de Santa Maria, L. walked along the pebble paved street and remembered her childhood,  people, friends, family, flavours and fragances….

She walked slowly as if trying to absorb all the details brought back from past memories. Suddenly, she stopped at this window. And she explained that she was born at that house. Her mother was not young anymore when she gave birth to this baby girl and so extra care was need. This is why she went to her friend’s house to deliver.

-          This was my godmother’s house.


The rhythm is as slow as her remembrances. Her blue eyes stared back at a time when life was lived outside, in the front street and when windows framed the daily life of women.


-          My godfather had a radio set. During war time, this door was opened all day long and we could listen to the news. Fernando Pessa was the speaker. We used to sit on the floor and listened in silence. The whole world was there, just there, so close to us. You see, we could listen to the voice of the world from this window….

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Mais histórias do calhau....


Hoje o dia começou cedo!!! Às 7.30h o encontro estava marcado. Em frente à Sé! O senhor Augusto António ( nosso companheiro nesta angariação) esperava já pela Graça e juntos foram até ao Vera Cruz, onde o Anão os esperava!!!!

 
 



Não vamos contar já a história … hoje ainda não… mas temos que partilhar a alegria deste homem – Duílio José Lomelino  que durante muitos anos foi um ÀS DA MERGULHANÇA e que partilhou connosco a sua história de vida … brincando aqui e acolá com fantásticas tiradas em inglês -  sim porque todos no calhau falavam inglês!!!!

Aguardem!

 
 
 
 
One more tale from the seashore….

Today we had to wake up earlier than usual! At 7.30h Graça had to be in front of the Cathedral in Funchal. António Augusto ( our partner in this business of finding people who lived in Santa Maria) was already waiting for them and together they went to Vera Cruz ( local bar) where a man – called Anão ( dwarf) was waiting for them.

We are not going to tell the entire story …. not today, sorry… but we do have to share the enthusiasm and cheeriness of  Duílio José Lomelino who during many years was THE KING OF DIVING and who shared his life story with us … and who during our conversation, suddenly started to speak in English …. explaining that -  yes, everybody spoke English at the seashore in Almirante Reis.

Don’t miss it!

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Adeus, até ao meu regresso






No mato, muito para lá dos sonhos, os rapazes esperam. África é uma prisão. O tempo passa no vagar do medo, na saudade de quem ficou em casa, na ilha, no adiamento do futuro.
O furriel madeirense mostrou-nos o seu diário da guerra. Num Bloco de notas, entre letras de músicas e registos pessoais, fomos desvendando os segredos da caserna, conhecendo os camaradas de companhia, percebendo os quotidianos e a importância de cada acontecimento.
O Araújo mostrou-nos as suas notas, momentos  de um rapaz que a Pátria mandou para longe, pedaços de uma história que vamos construindo, apoiados nos afetos e nas memórias, no espírito de aventura e no medo de não voltar.
Regressou vivo e bem. Como na prece do poeta de O Menino de Sua Mãe:
Lá longe, em casa, há a prece
Que volte cedo e bem
                      (Fernando Pessoa)


Goodbye! See you soon!


The boys waited hidden in the middle of the African jungle. There are no dreams there. Africa is a prison. Time is stuck with fear and memories of home and of the island almost fade away. Future has been postponed.
The Madeiran official has shared his war diary with us. It is a notebook where personal records are mixed with lyrics of songs. In the middle of these, we came across the secrets of the barracks and we were introduced to the company members and discovered the everyday habits and the importance of each event.

Araújo has showed us his notes, records of a boy that Portugal has sent to the far distant colonies to fight a war. This is a part of our history, memories embodied with affection and tenderness and also in fear: not coming back!

He has come back! Safe and sound! And as the poet has written:
 
Somewhere out there, at home, they are praying
So that I come back home alive.

                      ( Fernando Pessoa)


quinta-feira, 11 de abril de 2013

HISTÓRIAS DO CALHAU



 .... curiosidades ...


 


... os bomboteiros iam às Casas de Bordados buscar mercadoria para vender nos navios. Traziam as peças à consignação, com um preço previamente combinado. Tudo o que ganhavam para além disso, era lucro. Estes homens do mar eram, na sua maioria, analfabetos. Conheciam, porém, os números.   E era assim: preso com um alfinete, à toalha, por exemplo, estava um código deles. Imaginemos:   7856430120 – isto significava que tinham de entregar à casa 120$00. Ora, o preço que pediam aos “ingleses” era 300$00 e iam regateando. Tudo o que ultrapassasse os 120$00 era para eles....



... muitas mulheres bordavam em casa. No entanto, para ir para bordo, as peças tinham de ser certificadas pelo Grémio.  Havia um selo de chumbo preso com linhas de cores que se vendiam numa loja da  Rua dos Tanoeiros. Ora, havia o J. que era jeitoso e que falsificava os bordados  que as mulheres faziam em casa e que iam misturados com os outros, os autênticos.

 ... no ato da venda, os bomboteiros tentavam vender primeiro os bordados feitos em casa. Só depois, iam os outros.

... no regresso, algumas canoas eram revistadas, a ver se traziam contrabando. E, muitas vezes, vinha: eram cigarros, salsichas, leite condensado, marmelada.... tesouros que faziam a festa em casas onde se comia, geralmente, milho com café.   



Tales from the seashore

(loosen tracks)


…. the bumboat salesmen used to go to the Embroidery Factories in order to buy handmade towels to be sold, later, on board the vessels. The price was previously agreed and if it was sold by a higher price, it was all profit. These men were illiterate but knew the coins very well and their exact value. How did they manage? They tied up a small paper to the cloth with a code on it. For instance, 7856430120 – meaning that he had to pay 120$00 to the factory. So, they started by asking for 300$00 and tried to reach an agreement that was not lower to the price they had to hand in at the embroidery factory.

 

… many women embroidered at home. However, the pieces that were sold on board needed a certification warrant issued by the Grémio. There was a metal stamp that was tied to the embroidery piece with a coloured string which was sold at a shop in Rua dos Tanoeiros. One of the boys was very skilled so string was bought at the mentioned shop and a false stamp was attached to the embroidery done at home which was equally sold at the vessels.


… these homemade embroidery ( with no legal stamp) were the ones sold at first. Only then would the bumboat salesman sell the ones he had bought at the factory.

… when the boats came ashore, sometimes guards were waiting for them to see if there was any smuggling merchandize. In fact, very frequently these men brought back several things: cigars, sausages, canned milk, marmalade, corn beef … small treasures that enriched meals at local houses where usually there was only bread, cooked maize and coffee to eat and drink

….

segunda-feira, 8 de abril de 2013

O palacete da Rua das Mercês


Júlia Nunes viveu na Rua das Mercês, nº 8, no Funchal [hoje, sede do Centro de Estudos de História do Atlântico]. O proprietário do palacete das Mercês, Manuel Luís Nunes, despachante oficial da Alfândega do Funchal durante mais de 50 anos, era seu avô.

Ao longo da nossa conversa, fomos acompanhadas pela jovialidade e pelas memórias da infância e juventude de Júlia Nunes. Percorremos as salas do nosso habitual local de trabalho que, de repente, e quase por magia, se tornaram em salas de estar, salas de jogo, quartos de dormir, cozinhas e arrecadações.

- Eu andava sempre aqui, enquanto decorriam as obras. Não largava os homens... Deitaram imensa coisa abaixo … e eu vinha para aqui brigar.

A casa tinha 10 quartos. A família era grande. O avô teve 12 filhos e quase todos, mesmo depois de casados, foram ficando por cá. O avô ficou viúvo muito cedo. A mãe, por exemplo, viveu sempre aqui. Júlia nasceu aqui. E os irmãos. E os primos. Muita coisa se passou nesta casa:

- Todos os dias à mesa, tínhamos cerca de 20 pessoas. Havia criados de Cabo Verde. Uma engomadeira. Uma costureira. E um casal que servia à mesa: ela de farda preta e avental branco e ele de fato preto e casaca branca.

Os serões também eram animados. Além da canastra, tocava-se piano: um piano enorme, de cauda, explica Júlia Nunes, apontando para um ali [ausente] que nos fez recuar até ao dia 21 de dezembro de 1945, dia em que Manuel Luiz Nunes ofereceu

… um finíssimo cocktail-party que terminou com champanhe (Diário Notícias da Madeira, 1945)

 e que contou com a presença dos mais ilustres convidados: Percy Grabham Blandy, John Blandy, João de Freitas Martins, Dr. Júlio Meireles, Francisco Henrique Cunha, Dr. Carlos Santos Costa, Mr. Hart, Reginald Saunders [pai de Júlia, engenheiro da Companhia da Luz], Alberto Veiga Pestana entre outros.

Entre sorrisos e lágrimas, percorremos cada sala, cada recanto da memória. Os nossos passos foram seguindo o tempo que a as palavras permitem, que os retratos evocam, que os silêncios revelam.

A D. Júlia viveu aqui. E este lugar – que é o lugar onde trabalhamos – povoou-se de personagens, de vozes, de música, de nascimentos e de mortes, de alma.
 
 
A home in Rua das Mercês
 
 
Júlia Nunes has lived in Rua das Mercês, nº 8, in Funchal [ today’s office of Centro de Estudos de História do Atlântico]. The owner of the palace, Manuel Luís Nunes, Custom’s Official for more than 50 years, was her grandfather.
During our talk we shared the joyful memories of Julia’s childhood and teenage time. We visited our working offices, which, suddenly and as if by magic, we turned into sitting-rooms, dinning-rooms, bedrooms, kitchens and halls.
      I used to come here often while the house was being restored. I watched what the men were doing … many things were destroyed … I just came here and argued with them.
The house had 10 rooms. The family was huge. Grandfather Manuel had had 12 children and almost everyone, even after marrying, lived in this house. He became a widow all too soon. Julia’s mother, for instance, she lived here. Julia herself was born here. And her brothers. And her cousins. So many things happened in this house:

     At table, every day, there were around 20 people. We had servants from Cape Verd. We had a woman to take care of the laundry and to iron, another to do the sewing and there was a couple who served at the table: she wore a black uniform and a white apron and he wore a black suit and a white long jacket.
 
Evenings were excited moments. Apart from playing “canastra”, there was always someone who played at the piano, a big piano, explained Julia pointing to a [absent] location and suddenly we went back in time, to the 21st December 1945, when Manuel Luis Nunes organized
an elegant cocktail-party that ended with Champagne ( in Diário de Notícias da Madeira, 1945)
Where a lot of people were invited: Percy Grabham Blandy, John Blandy, João de Freitas Martins, Dr. Júlio Meireles, Francisco Henrique Cunha, Dr. Carlos Santos Costa, Mr. Hart, Reginald Saunders [Júlia’s father, Electricity Company engineer], Alberto Veiga Pestana among others.
We walked around each room and between tears and giggles we accompanied Julia’s memories. Each step followed the rhythm allowed by the words that silences and old photographs let us share.
Julia Nunes has lived here almost her entire life. And this palace- the place where we work every day – has transformed itself into a house of familiar faces, voices, a house where people were born and some have died … a house with a soul.
 
 
 
 
 
 
 

quinta-feira, 4 de abril de 2013

HISTÓRIAS DO CALHAU 2


                       [LEMBRANÇAS DA GUERRA]

 
Era um menino ainda. Teria uns sete ou oito anos, não mais... a guerra fazia-se lá fora, mas a ilha conhecia bem o seu preço. Os marítimos – homens que faziam do mar a sua vida – também, pois os barcos já não vinham, porque – dizia-se – as águas estavam infestadas de  submarinos .

Desse tempo duro, de falta de tudo, o nosso amigo Augusto guarda  a lembrança de uns fardos que davam à costa no Almirante Reis: eram destroços de bóias ou de navios que encantavam os miúdos que faziam do calhau o seu quintal.
- Lembro-me tão bem...

O Sr. Augusto reconstrói a história que vai contar; escolhe as palavras, procura na memória as cores, as sensações, os pormenores:

- Eu já andava, há muito tempo,  atrás do meu avô para que me levasse, à noite, na canoa. Os pescadores contavam que, à nooite, no Toco, às vezes, apareciam umas luzes na encosta, que eram feiticeiras.  Eu tinha muito medo, mas ficava encantado com as coisas que os homens do mar inventavam... Uma noite, o avô levou-me.
Nos seus olhos, o tempo.

O menino ainda não se dava bem com os balanços da canoa. E ficava olhando o mar e a noite e
 - Avô, uma baleia!

Havia uma “coisa” negra a emergir. Enorme.

Foi então que o avô,
«Shiu! Não faças barulho. Não é uma baleia. É um submarino alemão. Não tenhas medo. Eles não nos fazem nada. Se sair alguém é para pedir peixe....Em troca, dão qualquer coisa deles....»

Esperámos. Não saíu ninguem... Voltámos para casa em silêncio. E eu não cheguei a ver as feiticeiras que iluminavam a noite....

 

Tales from the seashore – part II

[war memories]
I was still a kid. Maybe seven or eight years old … not more than that… and there was a war somewhere out there, almost unknown in Madeira. The sea men – those who were depended on the sea – noticed immediately because vessels did not stopped at Funchal – because the waters were full of submarines.

Our friend António Augusto remembered that once in a while the beach at Almirante Reis there could be found pieces of ships, strange objects that obviously marveled the kids.

-       -    I remembered it so well…

He tried to build the story in order to tell us, he chose the words, and made an effort to select the perfect colours, the sensations so as not to forget all the details:

-          I had insisted with my grandfather to take me with me in the canoe, during the night. I had heard fishermen telling that sometimes, at Toco (beach) lights could be seen and they said it were witches. I was scared! Really scared but at the same time, anxious to go with them… and one day my grandpa took me with him.

Time stood still in his eyes.
António  Augusto was not used to the rhythm of the sea and felt sea sick. He tried to focus his eyes on the darkness of the sea and of the night.

-          Grandpa, look! A whale!
There was something coming up indeed! Dark! Huge!

And immediately, his grandfather told him,

-          Shiu! Don’t make any noise. Stand still! It is not a whale. It is a German submarine. Don’t be afraid. They won’t hurt us. If someone comes out I will give them fish … in exchange, they will give me something else…
We waited for a few moments. Nobody came out. We returned home quietly. I was a bit disappointed, though. I had not seen the witches, after all!